sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Capítulo 12 - Lua-de-mel


Vejo Dan entregar uma nota de vinte reais ao rapaz que o encara assustado após ter deixado as duas malas no chão, ao lado da cama. Dan deixa sua mala também no chão, e fecha a porta.

Eu me sento na cama e admiro o quarto. Suas paredes e o chão são de uma madeira escura, assim como os móveis rústicos. Há uma mesa de canto com um arranjo de lindas flores silvestres, cujo cheiro inunda o quarto, uma cama de casal com grossos cobertores, uma vez que mesmo com o aquecedor, a temperatura é baixa, e a chuva se torna mais forte novamente, fazendo barulho quando se choca contra o vidro da janela. Há ainda um guarda-roupa, e uma porta que leva ao banheiro. Não há nem mesmo uma televisão, talvez por as pessoas se interessarem mais em atividades, digamos, mais naturais.

Dan puxa as grossas cortinas acinzentadas cobrindo a janela, abafando os sons da tempestade. Eu me levanto, pegando a minha mala do chão. Mas antes que esvazie minhas coisas para guardá-las no guarda-roupa, ouço Dan me alertar:

__Deixe tudo na mala. Vamos passar pouco tempo e pode ser que precisemos sair rápido.

Então volto para a cama, deitando-me enrolada nas grossas colchas, virando-me de costas quando Dan se aproxima. No entanto, ele apenas pega um dos cobertores e se deita no chão.

__Eu não me importo de você dormir aqui. __Digo, encarando o teto de madeira, escondida sob as cobertas.

__Eu estou bem.

__Mas o chão deve estar frio... __Continuo inconscientemente, ruborizando ao imaginar que Dan pode pensar que eu realmente o quero na cama.

__Eu já dormi em lugares muito piores. __Diz ao se levantar, dirigindo-se ao banheiro sem camisa, apesar do frio. Eu me escondo novamente entre as cobertas. Não entendo porque meu coração começa a bater descompassadamente. Talvez seja o frio, e por isso meu corpo trema. É o que convenço a mim mesma, me negando a acreditar que todas essas minhas reações autônomas se devam à visão do corpo de Dan, coberto apenas por sua calça jeans escura.

Saindo do banheiro, Dan desliga a luz, voltando a se deitar. E eu não consigo dormir.

__Qual é o plano? __Pergunto após lutar comigo mesma tentando não ser inconveniente.

__Não há plano. Agora é diferente. Eles sabem que você está viva. E não devem estar muito felizes comigo. Antes eu só ia tirar você do país da forma mais discreta possível. Mas agora eu não sei até onde o poder do mandante se estende. E a importância que você tem para eles.

__E agora? __Pergunto novamente, logo me recriminando por parecer cada vez mais com uma garotinha assustada.

__Eu faço meu trabalho e você não faz perguntas. Esse é o trato.

__Não. __Digo num ato de coragem sentando na beira da cama para encará-lo. Eu mal consigo enxergá-lo na escuridão, apenas diviso sua sombra. Ligo o abajur, e o vejo deitado com seus braços nus cruzados atrás de sua cabeça, coberto por um lençol dos pés à cintura.

Dan não parece incomodado com a luz, e estremeço sob a vista de seu olhar entediado que me encara aparentemente contra sua vontade.

__Você não está trabalhando. Eu não tenho como pagá-lo. Na verdade, você está indo contra o seu trabalho, fazendo isso. Então eu preciso saber o que você está planejando. Eu quero ajudar.

__Acredito que você já ajudou mais do que o suficiente. __Completa com um ar de repreensão, olhando para meu pé enfaixado, que me faz ruborizar, apesar de meu corpo ainda tremer de frio.

E então desligo o abajur, voltando a meu lugar inicial, do qual me arrependo de ter saído.

 

Sou acordada por uma camareira que abre as cortinas e as janelas, fazendo o quarto se iluminar com a forte luz dos raios solares. O quarto logo se aquece e retiro as cobertas, levantando-me e aspirando o ar fresco do campo. Eu sorrio agradecendo quando ela me estende uma bandeja com um apetitoso café da manhã, leite com café, pão com queijo branco, suco de laranja e uma maçã.

Quando pergunto por Dan, ela dá um sorriso malicioso, deixando-me envergonhada ao dizer que também acordava tarde todos os dias durante sua lua-de-mel, mal sabendo onde estava, mas não entende porque Dan saíra tão cedo para a cidade, ao invés de me fazer companhia e aproveitar para visitar o haras.

Eu me levanto, sentando-me na bancada da janela, comendo minha maçã enquanto ela arruma a cama. Os pinheiros se estendem até onde consigo enxergar, descendo a serra. Posso ouvir o canto das aves sobrevoando a área, e sentir o cheiro da variedade de plantas que se estendem pelo campo, e não posso mais permanecer nesse quarto. Quando minha consciência tenta me reprimir com proibições diversas, ordeno que se cale, dizendo Carpe Diem.

Tomo um rápido banho frio, e vestindo uma camiseta e um short, saio do quarto, mais disposta. Na varanda do hotel fazenda, sendo banhada pela luz do sol, encontro César. Ele sorri perguntando por Dan, ou melhor, Sr. Danilo. Respondo dizendo que ele ainda não voltara, e aceito seu convite de conhecer o haras.

Deleito-me visitando os celeiros, e o passeio é tão reconfortante que nem mesmo meu pé ferido me incomoda. A paisagem é arrasadora, há animais percorrendo os pastos, e crianças brincando por entre as árvores, com seus pais correndo para acompanhá-los. São cenas que parecem um filme distante, fazem parte de outra dimensão, e me pego admirando-os embasbacada.

É divertido estar com outra pessoa que não saiba de nada pelo que estou passando, é como se eu fosse uma garota de dezessete anos novamente, com toda a vida pela frente, sem o espectro da morte me rodeando, sorrindo dos gracejos de César, cumprimentando as outras pessoas, acariciando os animais. É caloroso sorrir sinceramente, sem medir as palavras, sem medo nem receio de mostrar alegria num dos lugares mais lindos em que eu já estivera. 

César continua a me entreter mostrando as diferentes atrações do haras, os pomares, as estufas, os celeiros e finalmente a estrebaria. Distraio-me acariciando os cavalos com seus pêlos macios, não resistindo à tentação e montando um deles.

Dou uma volta no pasto, sob o olhar atento de César, que parece preocupado com o meu ferimento, que já não me incomoda tanto. O cavalo obedece aos meus comandos e posso quase sentir meu pai atrás de mim, ajudando minhas pequenas e fracas mãos a segurarem as rédeas, há tantos anos atrás. Posso até mesmo ver minha mãe ao longe, nos encarando com seus olhos alarmados e dando gritos de alegria, quando sem a ajuda das mãos do meu pai consigo fazer o cavalo dar alguns passos.

Eu sorrio me sentindo a mais feliz de todas as filhas, com meu pai orgulhoso beijando meus cabelos e sorrindo ao meu ouvido. Quando começo a chorar abertamente, vejo César correr em minha direção com seus cabelos loiros e cacheados se agitando com o vento, e seu rosto vermelho pelo esforço da corrida.

__O que houve, dona Letícia? É o seu pé? Algum problema com o cavalo? __Pergunta segurando as rédeas que eu entrego a ele.

__Não. __Digo, aceitando sua ajuda para descer e tentando despreocupá-lo. Ele não entenderia. __Ele é ótimo. Muito obediente.

__Você quer conversar? __Pergunta com uma voz diferente, numa proximidade desconfortável do meu rosto. __É o seu marido?

__Não... Ele...

__Também é ótimo. Muito obediente. __Ele me interrompe sorrindo, e eu não me impeço de sorrir de volta, tentando dar um tom leve à conversa.

__Não. Ele não é muito obediente. __Confesso evitando seu olhar que de alegre passara a uma intensidade desconfortável.

__Mas você o ama? __Posso sentir sua respiração contra a minha pele e me afasto incomodada e assustada por sua súbita aproximação.

__Eu preciso ir. Obrigada por tudo. __Digo correndo, ignorando a dor no meu ferimento, embaraçada e perturbada pelo interesse de alguém que eu mal conheço. Mas antes que eu me recupere da minha confusão, encontro Dan.  Seu olhar é um misto de dor e decepção ao me avaliar, e me pergunto o quanto ele vira e o quanto imaginara, mas se seu olhar agressivo direcionado a César que se encaminha para a estrebaria levando o cavalo pelas rédeas é um indicativo, imagino que fora bastante. Tento esconder meu rosto, porém vejo que ele percebe meus olhos chorosos.

__Onde você estava? __Pergunta num tom irritado que me faz ruborizar, me fazendo me recriminar por ter aproveitado uma manhã que eu não merecia.

__Eu estava dando uma volta. Esse lugar é lindo...

__E aproveitou para tirar o atraso. __Declara me olhando irritado.

__O quê? Você? __Indago perplexa, com minha irritação substituindo meu embaraço. Fora ele mesmo que dissera que eu devia tentar ser feliz. __Você acha que...? Não! Não que isso lhe importe. Faça seu trabalho e não me faça perguntas.

__Essa frase é minha.

__Acho que posso roubar algo de você, uma vez que você roubou a minha vida. __Enfrento irritada seu rosto.

Ele permanece em silêncio por um tempo com o olhar distante, como se escolhesse as palavras, enquanto eu já começo a me arrepender de minhas. Ele parece realmente chateado e continua:

__Ótimo. Você está certa. E eu estou devolvendo ela para você. Eu estou indo embora. Você pode ficar aqui se quiser. Reconstruir a sua vida. Já fiz tudo o que poderia fazer por você. E aqui não faltam pessoas que possam ajudá-la. __Finaliza encarando César, que está parado atrás de nós, parecendo pronto para me defender, e então passa pela porta, fechando-a atrás de si, me deixando estupefata na varanda.

César se aproxima com um ar preocupado. Ele toca meu rosto quando começo a chorar, e se aproxima do meu rosto trêmulo, mas antes que possa me beijar, o que parece ser sua intenção, eu me afasto, correndo para o quarto.

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