sábado, 1 de dezembro de 2012

Capítulo 27 - Reunião


Minha mãe continua a bater à porta, chamando por mim, para que eu saia e coma alguma coisa, mas mesmo chorando eu tento me manter em silêncio para que ela pense que eu estou dormindo. Ainda não são seis horas da tarde no Canadá, o dia ainda está claro, e o fuso horário não é uma boa desculpa para que eu esteja com sono. Mas talvez estar com seu coração estraçalhado, assim como sua vida, seja.

            Eu me encolho entre as minhas cobertas, ignorando que esteja nevando do lado de fora da minha janela. Por mim o mundo todo poderia explodir e desaparecer, que eu não me importaria.

            Talvez eu devesse escrever um diário para poder libertar tudo o que está aprisionado no meu peito me fazendo sufocar. Mas acredito que nada faria muito sentido. Eu permaneço em silêncio desde a conversa com Dan antes de embarcarmos, e me surpreendo que minha garganta esteja seca, e com um nó enorme que não consigo desatar, embora o meu rosto, meus cabelos, e até mesmo meu travesseiro estejam encharcados por minhas lágrimas.

            Agradeço por estarmos num chalé de dois andares, e que Dan esteja no térreo conversando com meu pai, e minha mãe, que desiste de me chamar, enquanto permaneço escondida no sótão, que no caso é o meu quarto, assim não posso ouvir sua voz.

            Fechando os olhos, ainda posso ver seu olhar triste e úmido me dizendo todas aquelas coisas. Mas eu não posso perdoá-lo. Quando se ama alguém como eu o amei, e se a dor terrível no meu coração é um indicativo, ainda o amo, não se pode perdoar.

            Talvez eu ainda me arrependa amargamente, mas enquanto a ferida que se abriu como num terremoto no meu peito continuar a sangrar, não posso nem ao menos vê-lo. Não sem chorar e ter que me esforçar para conter um grito de dor. Embora eu acredite que não possa fazer nada, nem mesmo respirar sem fazer isso.

            Ele nem ao menos encarou meu rosto por toda a longa viagem, desde onde estávamos até o Canadá. Embora ele ainda tenha me oferecido comida, e sugerido que eu não ficasse na cabine, podendo dormir numa das poucas poltronas destinadas aos passageiros.

            O avião era luxuoso e pela janela eu podia ver lindas imagens, o pouco do oceano atlântico que nós sobrevoamos até chegar aos Estados Unidos, e um pouco de cada país. Mas nada realmente me interessou. Depois das últimas palavras que trocamos ainda no carro eu não tivera coragem de lhe dirigir a palavra, e assim fez Dan.

            Eu tentei me distrair nas poltronas para não atrapalhá-lo ao finalizar seu trabalho. Eu me esforcei para não interrompê-lo como já fizera diversas vezes, e o vi parecer mais aliviado por finalmente poder se ver livre de mim.

            Foi difícil me impedir de chorar por toda a viagem. Eu não quis parecer uma adolescente patética lamentando sua terrível decepção amorosa, e acabei por conseguir chorar em silêncio.

            Nós aterrisamos numa espécie de pista de pouso improvisada, numa clareira branca pela neve em meio aos pinheiros. E então Dan me ofereceu um de seus casacos para me proteger do forte frio que nos esperava, me conduzindo, enquanto carregava as malas, até onde os meus pais me aguardavam, dentro do carro, para se protegerem da neve.

            Eu permaneci estática quando Dan parou próximo ao carro, controlando minha reação quando meus pais surgiram correndo emocionados em minha direção. Era como estar num sonho que eu desejara tanto, mas que me machucava terrivelmente. A dor que eu já sentia pela decepção com Dan ainda era acrescentada pela alegria dolorosa de rever meus pais, enquanto eu perdia a noção de realidade e fantasia. Mas não pude me impedir de chorar abertamente quando meus pais me abraçaram, talvez por ter tentado controlar aquelas lágrimas por todo o longo percurso, ou talvez por odiá-los por terem feito aquilo comigo, ou por estar enlouquecida de felicidade por ver que estavam vivos.

            Minha mãe segurou meu rosto entre suas mãos trêmulas, o inclinando até que estivesse à altura do seu. Ela chorava parecendo radiante, com seu sorriso perfeito e sincero, seus olhos brilhando de alegria, embora eu visse o cansaço e a tristeza em sua expressão, fazendo meu coração se apertar.

            __Você está tão linda, filha. Eu senti tantas saudades. Eu amo tanto você. Meu Deus! Eu não acredito que eu estou viva para ver esse momento. Eu pedi tanto. Eu pedi tanto que você estivesse em segurança. Oh, Meu Deus! Eu tive tanto medo! Manuela... Eu sinto tanto por termos metido você nessa confusão toda. Eu nunca pensei que teríamos que chegar a esse ponto. Eu imploro o seu perdão, filha. Perdoa a mamãe por ter feito você sofrer tanto.

            __Tudo bem, mãe. __Solucei retirando um dos muitos flocos de neve que haviam caído no seu cabelo agora loiro e liso. Ela me abraçou novamente, e eu podia sentir o seu corpo tremer de emoção no meu abraço enquanto ela soluçava no meu ombro. E nesse instante eu percebi que não importava nada pelo que havíamos passado, nem justificativas, nem perdões, eu tinha minha mãe em meus braços e nada se comparava.

            __Dan, obrigada por ter trazido minha filha sã e salva. Eu nunca poderei recompensar você. Nem com a minha própria vida. __Eu a vi agradecer abraçando Dan que pareceu desconsertado, mas impossibilitado de se afastar.

            __Manuela. __Iniciou meu pai procurando cauteloso o meu olhar. O seu rosto parecia ainda mais abatido que o da minha mãe, e eu podia ver algumas cicatrizes nos seus lábios, escondidas por sua barba, e em suas mãos, me fazendo estremecer ao imaginá-lo sofrer algo como o que eu, Marcelo e Dan havíamos sofrido. __Minha princesa. Perdão por ter enganado você, ter feito você acreditar que o papai era o seu herói, era um homem bom. As minhas intenções foram as melhores. Eu só queria dar o melhor a você. Eu nunca pensei que haveria conseqüências tão desastrosas. A sua mãe não teve culpa de nada. E eu vou entender se você não me perdoar. Não há perdão para o que eu fiz a você e à sua mãe. E eu seria um homem ainda mais desprezível se exigisse isso. Mas se eu puder pedir alguma coisa a você, é que não me odeie. Porque eu a amo tanto, minha filha. Tanto. Não houve uma noite, um minuto, um segundo, que eu não pedisse a Deus por sua vida.

            E então eu não pude me conter e o abracei sem conseguir conter meus soluços nem minha dor, agradecendo por estar vivendo aquele momento.

            Quando entramos no carro, eu no banco traseiro ao lado de Dan, e meus pais à frente virando-se intermitentemente para me contemplarem, ninguém pôde perceber qualquer problema entre mim e ele. Nem ao menos um silêncio se instalou entre nós, uma vez que meus pais não o permitiram, continuando a falar.

            No entanto, talvez sem querer expor seus sentimentos na frente de Dan, embora a todo momento demonstrassem sua gratidão por ter me mantido salva, meus pais não continuaram a falar comigo, pedindo desculpas. Na verdade, eles estavam muito apreensivos, especialmente meu pai, que fazia todo tipo de perguntas sobre William.

            __Dan, quanto tempo demorará para que esse William descubra que estamos aqui?

            __As fotos que ele mostrou a ela eram de vocês numa das cidades mais ao Sul. Entretanto, ele não parecia muito seguro, senão não teria pedido minha ajuda, ou talvez quisesse apenas criar confusão.

            __Ele criou algum problema a vocês? Fez alguma ameaça à Manuela? __Perguntou minha mãe apreensiva, segurando minha mão fria entre as suas protegidas por suas luvas.

            __Não. William nos propôs liberdade se o ajudássemos, mas ele nunca foi muito confiável.

            __Chegamos, Manuela. Espero que você goste. __Disse minha mãe sorridente, quando chegamos a um bonito chalé que deveria ter um tom escuro amadeirado se não estivesse coberto de flocos brancos. Os meus dedos estavam numa coloração azulada escondidos dentro do casaco de Dan, e eu sentia meus lábios trêmulos, enquanto meus dentes chocavam-se entre si pelo frio.

            Eu me dirigi a casa, abraçada à minha mãe, agradecendo por meu pai ter permanecido afastado entretido numa conversa com Dan sobre os futuros planos, pois não conseguiria disfarçar minha dor com Dan por perto.

            __Manuela, nós nem estamos podendo demonstrar toda nossa felicidade por estarmos novamente reunidos, nossa família. Desde aquele dia em que nos separamos só fazemos fugir, e infelizmente sei que você tem feito o mesmo. Nós passamos por tantas coisas, que eu espero que você não tenha passado. Mas não quero afligi-la contando histórias tristes. E nós não fazemos idéia de quando isso irá acabar, se um dia irá acabar.

            __Eu não me importaria se tivesse passado por todas essas coisas com vocês. Vocês não podiam ter feito isso comigo, me deixado acreditar que estavam mortos.

            __Eu sei, minha filha. Foi muito arriscado, mas mais arriscado seria ter fugido junto com você. Eu não sei como ainda estamos vivos. E sou tão grata ao Dan, por ele ter cuidado de você quando mais precisou. Nós nunca conseguiremos pagar essa dívida a ele. Eu sinto muito por termos feito você passar por tudo isso, mas não havia alternativa. E agora estamos todos juntos novamente, graças a ele.

            __É. Ele é realmente um herói. __Murmurei irônica ao vê-lo entrar na casa com meu pai. E por um segundo encontrei seus olhos, que pareciam quase doloridos. Eu não pude suportar, e pedi, antes que continuasse a chorar.__Eu estou muito cansada, mãe. Não consegui dormir na viagem. 

            __Claro, Manuela. O Dan nos disse que vocês estavam apressados e não puderam fazer muitas paradas. O seu quarto é lá em cima, onde é mais aquecido.

            Eu agradeci, recebendo o beijo de despedida do meu pai. Mas antes de correr escadas acima, entreguei o casaco de Dan, desviando-me de seu olhar ferido, agradecendo. Eu espero que ele não tenha percebido, mas estremeci quando o ouvi dizer “Não por isso.”

            Minha mãe volta a bater à porta implorando que eu a abra, dizendo estar preocupada comigo. Relutante, enxugo minhas lágrimas nos lençóis, e permito sua entrada, encontrando-a aflita.

            __Manuela, o que houve? __Indaga angustiada me abraçando ao ver meu aspecto lamentável. __Você estava chorando.

            __Não é nada. Não é muito fácil saber que seus pais estão mortos, e se sentir culpada até ao ponto de querer tirar sua própria vida, e depois descobrir que eles estão vivos.

            __Filha, foi necessário. __Lamenta sentando-se ao meu lado na minha cama, após aumentar a temperatura no aquecedor. __Você não está feliz?

            __É claro que eu estou feliz! __Soluço em seu ombro, recebendo seu abraço, não sabendo se estou realmente sendo sincera. __Eu nunca estive tão feliz em toda a minha vida.

            __É o Dan. __Afirma confiante, encarando meu olhar desesperado. __Eu vi a forma como vocês se olharam por todo o caminho. Eu apenas não comentei nada, pois não sei qual seria a reação do seu pai se imaginasse um relacionamento amoroso entre vocês dois. Talvez não seja a idéia de genro que ele imaginava. Mas eu temi isso antes mesmo de que acontecesse, ele era seu porto seguro, sua única companhia. Era natural que você fragilizada se envolvesse.

            __Meu Deus! Por que ninguém entende que eu realmente o amo? Independente se eu tivesse outras companhias, se soubesse que vocês estavam vivos. É claro que eu mudei muito depois de tudo, mas não foi porque eu estava fragilizada. Eu realmente quis. __Desabafo sem controlar a altura da minha voz.

            __Você o ama? É mais sério do que eu pensei, então. Mas, Manuela, vocês não têm qualquer futuro juntos. Você sabe disso, não sabe?!

            __E nós temos algum futuro, mãe? O Silas contratando todos os executores do mundo para nos perseguir?!

            __Eu sou sua mãe, Manuela. Eu só penso no seu melhor. E eu sei que não é do lado de um assassino que você será feliz.

            __Engraçado, você não achou isso nesse último mês. Está sendo hipócrita, dizendo que nunca poderá recompensar o Dan, pelo enorme favor que fez a vocês, mas sendo preconceituosa, dizendo que não seria seguro ficar com ele. Você não sabe quem ele realmente é. E é muito mais do que apenas um executor. Mas não se preocupe, ele concorda com você. Acha que eu o amo apenas porque era minha única opção, e que não é o melhor para mim.

            __Eu não estou sendo hipócrita, Manuela. Entendo que você tenha o conhecido, e seja grata a ele, como eu sou. Mas não podemos esquecer o fato de que ele é um assassino.

            __Mas salvou a minha vida!

            __Nós o pagamos por isso. É claro que ele se sacrificou por você, mas ele não tem nada a perder. Ele mata pessoas, Manuela. Você pelo menos achava que ele tinha nos matado.

            __Eu não sou diferente dele, mãe. Eu matei algumas pessoas.

            __O quê?! __Exclama tentando disfarçar seu horror. __Manuela!

            __É mãe. Eu matei duas ou três pessoas para salvar a vida do Dan e a minha própria. Porque, para mim, matá-las não era nada perto de salvar a vida dele, uma vida que certamente vale a pena. Mas eu não sei por que estamos discutindo isso. Estamos juntos novamente e o Dan vai sair para sempre de nossas vidas.

            __Ele ainda vai passar algum tempo conosco. Seu pai e ele estão planejando contra Silas, para finalmente ganharmos nossa liberdade. E não se preocupe, eu não falarei nada ao seu pai. Mas não é bom você se aproximar do Dan novamente. E eu estou pensando apenas em você quando falo isso, não quero que sofra. Você merece alguém igual a você, com perspectivas.

            __Tudo bem, mãe.

            __Eu vou buscar o jantar para você, e umas roupas minhas mais quentes.

            __Obrigada. __Murmuro, no entanto, ela não pode me ouvir, pois já saiu do quarto, me permitindo ver o enorme peso que parece carregar sobre os ombros.

            Levanto-me e olho o quarto ao meu redor, suas paredes e seu piso de madeira, minha cama com grossas cobertas situada abaixo da janela, pela qual posso ver flocos de neve cair no seu ritmo próprio e calmo. Eu não compreendo o que pode ser tão difícil de entender. Eles não sabem o que senti quando vi Dan pela primeira vez, quando o meu castelo de areia ainda não havia desmoronado. Mas talvez seja melhor assim, que eles nunca saibam, concluo enxugando as minhas lágrimas.

            Ouço passos entrando no quarto, minha mãe trazendo o jantar. No entanto, eles parecem mais hesitantes e pesados então me viro encontrando o rosto preocupado de meu pai.

            __Manuela, vim trazer seu jantar. __Informa descansando a bandeja de comida na minha cama, sentando-se ao meu lado. __Sua mãe me disse que você estava indisposta e não quis descer. E então eu insisti até que ela me deixasse subir. Algum problema?!

            __Não, pai. Mas eu não estou com fome. __Tento sorrir, embora sua expressão continue preocupada.

            __Manuela, você precisa se alimentar. Você está chateada comigo, não está? Eu entendo.

            __Não, pai. Não é isso.

            __Então o que houve?! O Dan me contou algumas coisas que me deixaram muito angustiado.

            __O que ele contou?! __Exclamo exaltada.

            __Do seu encontro com Marcelo, e depois Silas. Sobre os noticiários. É por ele que você está chorando, pelo Marcelo?! Porque pelo que eu conheço você, parece que está com o coração partido.

            __Não, pai. Não é nada. Eu estou bem.

            __Manuela, você ainda é a princesa do papai. Se você está triste, eu também fico. Eu não queria que você tivesse passado por nada disso. O Silas foi um enorme erro na minha vida. Eu era jovem, e ele me mostrou oportunidades impensáveis, e eu soube que conseguiria realizar todos os meus sonhos. E consegui, casei com a sua mãe, a mulher mais linda que eu conheci, e tivemos você, a criança mais adorável do mundo.

            “Foi tudo bom demais para ser de graça. Mas se eu pudesse, teria pagado o preço sozinho. Não teria forçado vocês a pagarem junto comigo. Eu e o Dan estamos tentando ver formas de podermos voltar à nossa vida de antigamente. Talvez você não queira detalhes, mas vamos nos unir aos inimigos do Silas, e eliminar todo seu poder.

Assim seremos livres novamente, eu encontrarei um trabalho honesto, você terá sua vida de volta, vamos ter uma nova casa, vai reencontrar os seus amigos, o Marcelo. Vai poder fazer a sua faculdade como uma adolescente normal. Será como se esse mês terrível nunca tivesse existido. Eu prometo isso a você. Nem que custe a minha vida.” __Conclui me abraçando, com a voz entrecortada, tentando disfarçar as lágrimas, se despedindo e me deixando sozinha no quarto com a bandeja de comida.

            E então será assim... Falo para mim mesma retirando a bandeja e descansando-a no chão, me enrolando aos lençóis, não impedindo que as lágrimas rolem por minha face... E então será assim como todos querem. Será como se nada disso nunca tivesse acontecido.

            Mas eu não sei se serei capaz de me esquecer do melhor e mais terrível mês de toda a minha vida. E eu não sei se é isso o que eu realmente quero.

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