Marcelo
parece satisfeito me conduzindo em meio à multidão. Todos me cumprimentam e
ainda parecem admirados com a minha trágica história. Mas eu ignoro seus
olhares ora curiosos ora condescendentes.
Eu
sorrio para Marcelo que tenta me puxar para um dos brinquedos espalhados pelo
parque de diversões em festa. É a primeira vez que me permito sair de casa,
numa tentativa de me divertir, e nem ao menos sei quanto tempo faz desde que
tudo ocorrera, apenas sei que parece ter sido bastante, uma vez que tudo me parece
estranhamente novo. O sol irradiando minha pele, as pessoas e suas risadas, o
vento soprando meus cabelos, as crianças correndo excitadas, os passarinhos
indo ao chão comer grãos de pipoca, o cheiro da grama e da natureza à nossa
volta.
Tudo
ganha uma nova beleza e eu a absorvo em toda sua intensidade. Na mão de Marcelo
segura à minha, posso sentir o anel de compromisso, embora o meu permaneça guardado
com ele. Eu nem ao menos sei se um dia voltarei a usá-lo, mas a companhia de
Marcelo, um amigo especial e compreensivo, é como um antídoto para minha dor,
embora ela ainda permaneça comigo.
Talvez
por ele ter compartilhado parte do meu pesadelo, ou até mesmo por ter
acreditado em mim e me ajudado sem hesitar quando precisei, mas em sua
companhia não me sinto completamente vazia.
Eu
sorrio maravilhada por a vida me parecer novamente benevolente, embora eu não a
tenha perdoado, apenas decidido lhe dar uma chance de me provar que ainda vale
a pena. Por Dan, em sua memória. E, percorrendo o parque movimentado, encantada
por não me sentir tão solitária, agradeço quando um vendedor me oferece um
balão em forma de coração.
Talvez tenham sido esses pensamentos, ou o
sol, ou o vento em meus cabelos, ou a felicidade que me invade. No entanto, por
apenas um instante eu encontro o rosto de Dan na multidão, os mesmos olhos,
entre doloridos e resignados, os cabelos escuros caindo-lhe sobre eles, o nariz
harmônico, os lábios convidativos, os jeans escuros, e a camiseta de uma banda
de rock desconhecida, coberta por seu casaco.
Sinto
meu coração parar, fazendo meu sangue se esvair do meu rosto, como se apenas
tomasse impulso para começar a bater enlouquecidamente contra meu peito,
forçando sua saída, livre para procurar Dan em meio à multidão, uma vez que
meus olhos já o perderam. Contudo, por ele ainda estar convalescente, seu
movimento repentino apenas o faz doer ainda mais.
Talvez
tenha sido um impulso gerado pela dor súbita em meu peito, ou a esperança que
Esther plantara, mas que permanecera adormecida por todo esse tempo, e que
agora ao receber seu primeiro alimento, se permite germinar. Entretanto, me
vejo soltar a mão de Marcelo e correr em meio à multidão, procurando em todos
os rostos aquele olhar que eu já me convencera de que nunca me abandonaria. Continuo
a correr, não me importando quando me debato contra as pessoas, nem quando meu
fôlego começa a faltar, nem mesmo ao me ver chorar. Porque eu não permitirei
que Dan fuja novamente. Não se eu puder fazer algo para impedi-lo.
Contudo
no meio da minha perseguição ineficaz deixo escapar meu balão que sobe ao céu
decididamente. E então eu entendo o que ainda me era um mistério e permito que
ele vá e encontre Dan. Porque eu já sei que o lugar do meu coração não é mais
no meu peito, que se tornou um solo árido e infértil, e sim com Dan, onde quer
que ele esteja.
E
vendo meu coração ir ao céu decidido, percebo que foi Dan que o chamou, para
que eu nunca me esqueça de que tudo realmente aconteceu.
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