segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Capítulo 13 - Executor (parte 2)


__Isso é comigo. E não me venha dizer que você não sabia.

__Eu não sabia. Juro. Como eu poderia saber?! Alguém mais sabe?!

__E sabe quem morreu? __Prossegue ignorando as perguntas de Carvalho, sem demonstrar a raiva que parece conter, se é um indicativo a força que percebo em seu braço.__ Esqueci. Você anda mal informado ultimamente. O Levi. E eu não sei por que tudo parece tão relacionado. Eu diria que as duas mortes têm o mesmo mandante. E você vai me dizer quem é.

__Eu não sei, Dan. Eu não sei de nada do que você está falando. Eu juro. Você sabe que eu nunca sei quem é o mandante, eu sou só um mediador, só repasso as informações.

__Eu sei, Carvalho. Mas só eu e você sabíamos onde encontrar o Levi. O mandante deve ter mandado alguém aqui perguntar e você abriu a boca.

__Não! __Persiste e lágrimas de desespero brotam dos seus olhos apertados numa careta de dor. __Eu nunca faria isso com ele. Nem com você. Eu não disse nada.

__Eu estou esperando. Mas não sei por quanto tempo vou continuar. __Contrapõe Dan soltando a minha cintura. Eu me afasto um pouco, mas meus olhos continuam fixos na expressão aterrorizada de Carvalho.

__Eles me ameaçaram, Dan. __Confessa, chorando abertamente como uma criança que tem seu crime descoberto e teme seu castigo. Um burburinho se inicia dentro do bar, mas a porta permanece fechada. __Por que você foi se meter nessa confusão?! A grana era boa. Era só fazer o serviço direito e cair fora. Por que salvar a garota? Eu sempre falei para você só fazer seu trabalho.

__O meu trabalho não diz respeito a você. __Vocifera Dan com um tom enojado e colérico. A raiva transparece no seu rosto impiedoso.

__Eu não pude fazer nada. Eles me ameaçaram. Estão furiosos atrás de você e da garota. Não devia ter brincado com o dinheiro deles, nem com as execuções. Era prioridade máxima para eles.

__Quem são eles? __Inquiri Dan secamente.

__Você não vai querer se meter com eles. Vão acabar com você. Entrega a garota, diz que você gostou dela e quis se divertir um pouco, que não sabia que era tão importante. Se você der um trato nela, entregar o corpo e se alistar para o serviço deles, vão perdoar você. Não vai nem precisar devolver o dinheiro. Quem não gostaria de ter você trabalhando para eles? Não há nenhum executor como você, Dan. Você é o melhor.

Eu tremo com o efeito de suas palavras. Ele planeja contra minha vida na minha frente, ignorando a minha presença, como se eu fosse uma caça, a qual eles debatem como repartir entre si. Controlo minha ânsia de vômito e meus tremores. Dan o encara impassível, e isso, de uma forma estranha, me acalma.

__ Quem são eles? __Insiste impaciente, aproximando-se de Carvalho fazendo-o vacilar.

__Eu não posso dizer. A não ser que você faça o que eu estou falando. Mata a garota e entrega para eles. Faz o que eu estou falando. Não se mete em confusão.

__ Quem são eles? __Dan pergunta exaltado, numa proximidade perigosa de Carvalho que volta a chorar abertamente, com seu corpo tremendo involuntariamente de pavor.

__Eu não posso falar... Eles vão me matar! Vão me matar!

            E então eu vejo Dan num milissegundo segurar Carvalho pelo colarinho, fazendo-o se ajoelhar aos seus pés, enquanto pressiona o cano de sua arma contra o seu rosto numa careta de horror, encharcado de lágrimas.

            __Você duvida de que eu faça o mesmo?! __ Sussurra com o rosto impassível mal me permitindo escutar. O seu olhar frio transparece repugnância enquanto fixo no rosto de Carvalho que soluça em meio às lágrimas. Estremeço diante dessa visão, Dan não parece se importar em tirar a vida desse homem que apela por clemência. Sua face tão bonita e jovem não demonstra qualquer expressão. Desde que ele surgira em minha vida, eu já vira algumas mortes, mas acredito que nunca me acostumarei. Independente de quem seja, é uma vida, e qualquer forma de vida é sagrada.

            __Dan, eu sou seu parceiro. Não faz isso comigo, eu imploro. __Clama Carvalho aumentando o tom de voz, fazendo com que Dan aperte ainda mais o cano da arma em seu rosto. Eu me surpreendo por ninguém sair do bar para salvar Carvalho, talvez eles estejam como eu, assistindo inertes a esse espetáculo do horror.

            __O Levi também era seu parceiro. E você não pensou duas vezes quando entregou onde ele estava. Você sabia que ao contrário de você, ele não responderia nada. E eu já estou envolvido.

            __É o povo do Silas, cara. __Entrega trêmulo. __O pai dela tinha alguns negócios com ele, mas estava querendo parar. Ele achou que a vida de cidadão honesto tinha volta. E ainda tentou entregar alguns furos para uns caras novos que estão querendo roubar os negócios do Silas, em troca da proteção deles. Dançou. E foi você que tocou a música, Dan.

            Eu me aproximo num reflexo. Do que ele está falando? Quem é Silas? O que meu pai tem a ver com tudo isso? Negócios? Que negócios? Eu quero as respostas para essas perguntas, no entanto, com um olhar, Dan me diz para me manter em meu lugar.

            Obedeço e Carvalho prossegue com seu depoimento, numa tentativa de reconquistar a confiança de Dan:

            __Você sabe que com o pessoal do Silas não tem brincadeira. Vão acabar com você se te pegarem. Eles estão em todo lugar. Talvez tenha até alguém aqui no bar que vai falar para eles que você está aqui.

            __Obrigado pela preocupação. Quem são esses caras novos?

            __Eu não sei. __Carvalho parece mais aliviado, e sua respiração se torna mais uniforme, no entanto, continua ajoelhado com a arma de Dan em seu rosto. __Eu não sei mesmo. Eles devem estar começando por lá, na cidade dela. Não se mete nessa briga, que só vai se dar mal quem ficar na linha de fogo.

            __O Silas nunca vai deixá-la em paz?

            __Não, Dan. Você sabe como é essa questão de desertor e muito mais de traição. É uma questão de honra para ele, e exemplo para os outros empregados. Só se o Silas morrer, Dan. Os homens dele vão morrer também ou se renderão aos novos no mercado. Mas o cara não morre. Isso é impossível, até mesmo para você. Conselho de amigo.

            __Está certo. __Afirma Dan retirando a arma do rosto de Carvalho, que não tem receios de demonstrar sua felicidade extrema. Suas pernas ainda tremem e estão sujas de barro quando ele se levanta. Dan se afasta e me entrega as chaves do carro me pedindo que vá para lá e o espere.

            Eu não consigo obedecer a ele e permaneço parada quando Carvalho abre os braços com um grande sorriso para Dan:

            __Parceiros de novo, Dan?! Eu realmente sinto muito. __Dan retribui o abraço sem jeito e volta a andar com o rosto consternado, em minha direção. Eu continuo o caminho, mas paro quando ouço Dan falar se virando para olhar para Carvalho que sobe aliviado os degraus para a varanda, ainda sorrindo.

            __Eu já ia me esquecendo de dizer uma coisa. Quando eu encontrei o Levi, ele ainda estava vivo e me fez um último pedido.

            E antes que o sorriso de felicidade possa abandonar o rosto de Carvalho, eu o vejo cair, com seu corpo batendo repetidamente nos degraus até que descansa no chão de barro, com uma mancha vermelha no lado esquerdo de seu terno cinza.

            E então o meu grito de horror é calado pela voz de Dan que ordena:

            __Corre. __E mais uma vez eu obedeço, quando inúmeros homens saem como um furacão pelas portas do bar, atirando em nossa direção.

 

            Dan assume o controle do carro, e não imagino como o alcançamos tão rápido. O carro segue a estrada no sentido oposto do pelo qual viemos. A tempestade que se prenunciava se inicia, e a noite se fecha acima de nós. Os faróis do carro iluminam apenas um metro à frente, mal nos permitindo ver a escura estrada entremeada de árvores, com seu chão de terra e pedras, fazendo o carro sacolejar pelo caminho.

            Olho aflita para trás, encontrando as luzes de farol que ainda nos perseguem. Dan faz o mesmo. No entanto, não parece aflito. Seus atos parecem metódicos e determinados, quando segura com apenas uma mão o volante, mal olhando para estrada à frente, com o olhar fixo no retrovisor, recarregando sua arma.

            __Segure o volante. __Decreta soltando o volante, se inclinando para fora da janela do carro, sendo atingido pela enxurrada e atirando contra os nossos perseguidores. Num impulso, eu obedeço a ele, antes que o carro bata em uma das árvores que aparecem no meio da estrada, me obrigando a desviar.

            O carro se agita, como um cavalo selvagem, sob o meu comando, enquanto tento desviar das árvores, seguindo as curvas da estrada, mal enxergando na escuridão. Os limpadores de pára-brisa afastam a água que se derrama, assim como os galhos de árvores derrubados pela violência da tempestade. Dan continua a acelerar o carro a uma velocidade assombrosa, enquanto troca disparos, abafados pelo som ensurdecedor da chuva, com os carros que permanecem em nosso encalço.

            As balas se chocam contra o carro, sem perfurá-lo, por ser blindado, mas mesmo assim sinto o pânico me dominar, enquanto me abraço ao volante, tentando fugir dos nossos perseguidores que se distanciam. O caminho se torna cada vez mais fechado à nossa frente, e eu me pergunto até quando conseguirei agüentar ao perceber que não há sinais que indiquem a direção da rodovia, apenas mais e mais árvores na floresta fechada.

No entanto, quando olhando para a direção de Dan enxergo uma fresta de luz em meio à escuridão da floresta, viro o carro bruscamente não me importando com o terreno pedregoso nem com os galhos que reclamam à nossa passagem, apenas tentando me prender àquele fio de esperança, antes que fiquemos presos na mata cerrada, tornando-nos vítimas fáceis aos nossos caçadores.

E então quando a auto-estrada nos recebe em sua calma silenciosa, meu corpo trêmulo inclinado sobre o volante se tranqüiliza e percebo que os carros se perderam pelo caminho me permitindo respirar.

            Dan retorna à sua posição encharcado, tomando o controle do carro. E eu me encolho vacilante em meu assento, sem poder encará-lo. A noite silencia. As últimas gotas de chuva escorrem pela janela. Elas não podem me alcançar, mas posso senti-las escorrendo pelo meu rosto, e seu gosto é insuportavelmente amargo.
 

domingo, 26 de agosto de 2012

Capítulo 13 - Executor

Eu me surpreendo quando ultrapassamos a fronteira de uma grande cidade. Eu imaginava que continuaríamos a nos esconder em cidades cada vez menores, no entanto, sou recebida pelos anúncios nos outdoors, nos letreiros luminosos dispersos na noite. Hotéis, shoppings, arranha-céus. Tudo me parece agora uma realidade distante. Carros e motos passam zunindo por nós, algumas pessoas caminham pelas ruas rindo e se divertindo.

Quando passamos pelo engarrafamento, Dan começa a entrar em ruas mais escuras, indo ao que parece ser a periferia da cidade, uma cidade esquecida dentro de uma metrópole. Numa rua afastada, com chão de terra batida, na qual há apenas um posto de gasolina aparentemente abandonado, e um bar afastado, vejo Dan estacionar o carro. Ele veste o casaco que permanecia no banco de trás e abre a porta do carro.

__Eu tenho que falar com um conhecido. Ele deve ter algumas respostas. Se você ouvir qualquer barulho estranho ou qualquer movimentação é melhor você fugir. __Diz me entregando as chaves do carro e uma pasta de documentos. __Você pode ir para o Hotel Cruzeiro, nós passamos por ele no caminho, lá no centro, ou você pode pedir instruções a alguém, e eu fiz reservas.

__Mas... __Balbucio segurando as chaves do carro, trêmula, sem querer entender o que ele me pede. __Eu não sei dirigir e...

__Você não sabe dirigir? Há algumas coisas que precisa aprender se quiser realmente me ajudar. Mas você deve saber o básico pelo menos.

__Um pouco. Eu só tenho 17 anos.

__Agora você tem uma carteira de identidade com 18 anos, deveria aproveitá-la __Afirma retirando meus documentos do bolso de seu jeans e me entregando.

__Eu não quero ficar aqui. __Imploro chorosa. __Eu quero ir com você. O que você pretende fazer?

__Conversar. __Responde, embora eu consiga identificar o seu olhar alerta prevendo o perigo.

__Então eu posso ir junto?!

__Tudo bem. Mas vista um casaco. __Concorda relutante, talvez imaginando que eu causarei menos problemas estando sob sua vista. Saio do carro antes que ele possa abrir a porta para mim, e sou recebida por um vento frio cortante que me faz arrepiar apesar de estar coberta pelo casaco de Dan. O céu está escuro sem estrelas, e os ventos fortes predizem chuva. Já passam das nove horas da noite, posso ver no relógio do pulso de Dan, quando ele me ajuda a andar. O meu pé já não está mais dolorido, e posso andar sem dificuldades, no entanto não quero impedir seu gesto de carinho, ou seja lá o que for.

Subindo pelos degraus de cimento batido que levam à parte externa do bar percebo que o gesto de Dan não é por carinho, e sim protetor. Ainda que eu esteja coberta pelo casaco que alcança minhas pernas protegidas apenas pelos shorts, me vejo vítima dos olhares cobiçosos e curiosos dos bêbados que disputam partidas de sinuca e jogos de baralho. Eles interrompem suas atividades e dizem gracinhas, mas logo se calam com o olhar ameaçador de Dan.

Ele me conduz até a porta, e entramos na parte interna. É quase impossível enxergar em meio á fumaça que paira no ar, o cheiro de álcool misturado ao tabaco é insuportável, e eu me impeço de tossir, tentando não atrair mais olhares dos que os já fixos em mim. Paramos diante do bar e ouço Dan perguntar por alguém chamado Carvalho. O atendente olha para Dan de uma forma estranha, num misto de ameaça e receio.

Dan não se move, quando o atendente diz que ele não está. E continua:

__Eu sei que o Carvalho está aqui. Diga que o Dan quer falar com ele e que está com pressa.__Informa calmo, embora eu possa sentir a tensão no seu braço ainda rodeando minha cintura. Meus braços estão estendidos ao lado do meu corpo, perdidos dentro das mangas compridas do casaco. Dentro do bar está quente, e eu tenho vontade de tirá-lo, no entanto, não posso me mover. Pela primeira vez, vou me esforçar para não atrapalhar Dan.

__Eu não posso interrompê-lo. __O barman continua quase trêmulo. Ele parece ter reconhecido o nome de Dan, e começa a perceber a ameaça que ele representa, mas parece em dúvida quanto a quem deve obediência.

__Tudo bem. Eu interrompo. __Declara me levando consigo, rodeando o balcão do bar, contra as proibições desesperadas do barman. Alguns dos homens, os que estão mais próximos e não totalmente bêbados, percebem a movimentação, mas antes que possam fazer qualquer coisa, nós já estamos dentro do escritório de um homem aparentando seus quarenta anos, careca e escarlate, chamado Carvalho.

Ele está rodeado por três homens de pé, que parecem estar recebendo suas instruções. Quando entramos no recinto, que mais parece um escritório do que uma sala escondida num bar afastado da cidade, vejo todos dirigirem suas mãos a cintura, onde imagino que estejam suas armas. Carvalho tenta disfarçar sua mortificação sorrindo e pedindo para que seus homens se acalmem, embora eu possa vê-lo enrubescer, e gotículas de suor frio surgirem no centro da sua cabeça, sem a presença de fios de cabelo para disfarçá-las.

A sala está fria, e meu casaco agora está mais confortável, no entanto posso ver Carvalho desconfortável em seu terno cinza claro, como se subitamente a temperatura da sala tivesse ficado insuportavelmente elevada. Seus homens de confiança olham desconfiados principalmente para Dan, quase me ignorando, ou talvez seja porque agora Dan me mantenha quase às suas costas, escondida.

Carvalho sorri e pede para que um dos homens traga um uísque para Dan, o qual recusa não muito educadamente.

__Meu caro amigo, o que traz você aqui?__Sorri, se levantando, enquanto sua mão trêmula e calosa se estende procurando a mão de Dan, a qual permanece na minha cintura. Ele parece constrangido e assustado pelo comportamento de Dan e então estende sua mão para mim, como se apenas agora tivesse reparado em minha presença.

Eu fico em dúvida quanto ao que devo fazer, mas quando levanto uma das mãos para cumprimentá-lo, Dan me impede com um olhar repressor.

__Será que podemos conversar lá fora, Carvalho? Aqui está muito quente.

__Dan... __Insiste sorrindo em cumplicidade, embora eu veja o temor se apoderar dos seus olhos, que parecem quase suplicantes. __A casa é sua. Você pode ficar aqui, bebida por conta da casa, passar alguns dias. Eu até arranjaria uma companhia para você, se já não tivesse arranjado. __Estremeço com a lascívia do seu olhar que percorre meu corpo. Sinto o abraço de Dan apertar, e Carvalho parece perceber o seu incômodo, mas continua sorrindo. __A Solange vai ficar uma fera quando souber que dessa vez você veio acompanhado. Amanhã eu estarei organizando um show internacional na cidade, vai ser ótimo. Um camarote só para você com livre acesso ao camarim. Eu sei que você não gosta de agitação, mas a garota deve gostar.

__Lá fora, Carvalho. Eu já disse que estou com pressa. __Ordena Dan num tom irritado me encaminhando para fora da sala. Ainda posso ver Carvalho sinalizar para seus empregados um sinal de tudo bem, quando apressa o passo para nos alcançar.

Nós paramos ao descermos em frente aos degraus. Carvalho respira tentando recuperar o fôlego, após exigir que os homens que estavam na área externa do bar entrassem. O silêncio se faz presente, e embora as janelas do bar estejam fechadas, imagino que eles estejam atentos a qualquer movimento.

Eu não faço idéia de quem esse homem seja, no entanto ele parece poderoso, e o modo como os outros, exceto Dan, olham para ele me recorda um pouco como observavam meu pai.

Posso ver o desespero transparecer em seu rosto, embora continue a sorrir. Sua face transparece uma careta de dor e aflição, enquanto encara o olhar frio de Dan, que ainda me abraçando, o enfrenta em silêncio, o qual começa a me incomodar.

É um olhar quase de súplica e terror, posso vê-lo tremer e suar frio dentro de seu terno caro. Ele parece atormentado pelo silêncio e começa.

__O que houve, Dan?! Sou eu. Carvalho, seu amigo. Você sempre me ajudou e eu sempre me esforcei para lhe ajudar na medida do possível. Você sabe que tudo que eu tenho devo a você e que tudo que é meu é seu. Na hora que quiser. Sempre.

Dan parece ignorá-lo, e puxando-me para sua frente, ainda me abraçando, inicia, quase num tom amigável:

__Eu não estou sendo muito educado. Acho que você ainda não conhece a minha amiga. Ela se chama Manuela Gonçalves.

__Prazer. __Carvalho sorri, mais aliviado, e estende novamente sua mão para mim. Dan me sinaliza para que eu a aceite, e é o que eu faço. Sua mão está úmida de suor e trêmula, e o seu olhar é um misto de suplício e orgulho ferido, me fazendo imaginar como deve humilhar seus subordinados. __Meu nome é Afonso Carvalho, mas todos me chamam de Carvalho. É uma bonita garota, Dan. Ela te acorrentou?

Dan não sorri de volta, embora eu perceba um humor ácido em sua voz, quando prossegue.

__Você sabe quem é ela?

__Como assim? __Questiona trêmulo sob o olhar ameaçador de Dan.

__Tem certeza de que você não faz idéia de quem ela seja?!

__Eu não sei, Dan... Eu...

__Você mente muito mal, Carvalho. Mas eu vou ajudá-lo. Essa é a filha do casal dos três milhões de euros.

__E por que ela está viva?! __Exclama olhando para mim apavorado, como se eu fosse um fantasma, o que não deixa de ser verdade.

sábado, 25 de agosto de 2012

Capítulo 12 - Lua-de-mel (parte 2)


 Dan já está com as malas nas mãos, enquanto a minha permanece no mesmo lugar. E mesmo contra minha vontade, me percebo cair em prantos enraivecida quando começo a falar:

__O que houve? Eu só estava chateada por você ter me deixado sozinha, e eu não falava sério. Mas você não precisava arranjar uma desculpa tão infantil para me abandonar. Eu já disse que não quero que me abandone. Mas não posso forçá-lo a continuar comigo. __Continuo chorando, enquanto Dan permanece imóvel me olhando. __Eu nem deveria estar aqui pedindo para que você não me deixe. Só não pode ser por esse motivo. Você está desistindo de mim? Tudo bem. Eu nem sei como posso agradecer tudo o que fez por mim. E eu já devo estar prejudicando muito a sua vida. Você deve ter outras pessoas para matar ao invés de ficar me salvando o tempo todo.

__Eu posso falar? __Pergunta aborrecido, descansando as malas no chão. __Eu só vim a essa cidade para falar com um dos meus informantes, um dos intermediadores meus, que negociou com o mandante da morte dos seus pais. Eu queria sondá-lo para saber quem poderiam ser os mandantes. Preciso saber com quem estou lidando, até onde vai o poder deles. Mas ele está morto. Foi assassinado num bar, para parecer uma briga comum. Isso aconteceu hoje de madrugada, pouco antes de chegarmos aqui. Eu ainda vi o corpo.

Ele parece quase emocionado. Na verdade, posso ver raiva em sua expressão, mas ele não parece assustado, e isso me acalma, me fazendo parar de chorar.

__Então eles já estão aqui?! __Inquiro começando a guardar minhas coisas na mala.

__Talvez sempre tenham estado. Ou façam parte de uma corporação mais forte do que eu pensava. Nós temos que descobrir quem eles são, ou talvez você nunca possa ter liberdade novamente, sempre estará fugindo.

__Ou talvez seja melhor eles me pegarem. __Inicio deixando cair minha mala na cama, decidida. Subitamente uma idéia surge em minha mente, e ela nunca me parecera tão certa. Eu estou cansada de fazer as coisas erradas com a melhor das intenções. Talvez seja a hora de fazer algo realmente certo. __Você pode me matar. Uma morte rápida, se possível. E você me entrega a eles. Talvez eles perdoem você.

__Você é louca?! __Pergunta incrédulo, pegando minha mala e juntando-a as que ele já carrega. __Eu não fiz tudo isso em vão. E ainda há algumas alternativas.

Ele tranca a porta do quarto, quando saímos, e logo encontramos César na recepção, parecendo arrasado ao ver nossas malas.

__Aqui está o pagamento. __Diz Dan entregando duas notas de cem reais. __E pode ficar com o troco pelos favores que prestou à minha esposa.

__Não precisa. __César revida com um ar ameaçador que parece engraçado no seu rosto angelical. __Foi um prazer. Ela é ótima e muito obediente. __Completa sorrindo.

Eu sorrio de volta pedindo que nada de ruim aconteça com ele nem com Sarah. Esperando que eu não traga apenas desgraça a todas as pessoas a minha volta.

__Eu só não entendo... __Inicio quando estamos novamente na estrada, a qual eu realmente consigo enxergar agora e poderia admirar se não estivesse tão assustada. __Como meus pais podem ter se envolvido com pessoas desse tipo.

__Vocês tem parentes?! __Dan inquiri com os olhos atentos na estrada. Nós agora descemos o outro lado da serra, e a paisagem é deslumbrante. Do outro lado do rio, há quase uma floresta, recortada por pequenas cidades campestres. No entanto, tento não me distrair das perguntas de Dan.

__Não. Eu nunca tive tios, e meus avós já morreram há alguns anos. Não há mais ninguém que eu saiba. Mas por quê?

__Nada. Parentes distantes podem disputar herança, mas se a questão fosse dinheiro eles não teriam me pagado tanto. É mais plausível alguma inimizade, competição ou questões de honra. Com o que seu pai trabalhava?

__Você não sabe mesmo as respostas para essas perguntas? Você deve ter investigado a nossa vida, não?

__Algumas. Mas talvez você tenha algo a me acrescentar. Você conviveu mais tempo com a sua família do que eu. Nunca percebeu nada de estranho? Seus pais eram muito ricos. Não são todos os investidores que têm tanto sucesso.

__Mas meu pai sempre trabalhou bastante. __Defendo, mais tentando convencer a mim mesma do que a Dan. A possibilidade de a honra do meu pai sempre intacta ser abalada após sua morte ainda me é mais dolorosa.

__No entanto, seus avós eram ricos? __Continua ignorando meu argumento.

__Eu nunca conheci meus avós paternos, eles morreram quando eu era um bebê. E os pais da minha mãe tinham algum dinheiro, mas quando morreram, estavam com dívidas que meu pai pagou.

__Ele tinha sócios?

__Não. __Respondo inconscientemente, mal sentindo que estou participando de um interrogatório. Mas as respostas que Dan e eu procuramos são as mesmas, exceto que não tenho tanta certeza se quero descobri-las. __Fazia alguns negócios em comum. Sempre tinha alguns jantares lá em casa, e ele sempre viajava. Esses últimos anos, os jantares e as viagens diminuíram.

__Problemas nos negócios?

__Eu não sei. Meus pais sempre me deixaram à margem dos negócios, e eu nunca me interessei mesmo. Talvez nós estivéssemos com problemas e eu nem soubesse. Agora já é tarde demais. __Concluo olhando pela janela. A movimentação dos carros é maior do que na noite anterior, talvez porque realmente a cidade na qual estávamos seja um ponto turístico no Natal. Eu não me entristeço por não ter visto nevar. Uma chuva leve começa a cair, e encostando meu rosto no vidro da janela, exclamo, quando começo a chorar:

__Eu não agüento mais chorar! Eu não agüento mais isso. Por que meus pais fizeram isso comigo? Eu não vejo porque continuar a viver. Não faz mais sentido. Eu vivia uma mentira. Minha vida era perfeita, e agora eu descubro que havia pessoas querendo destruir tudo o que eu tinha, tudo o que eu mais amava. E elas conseguiram. Só me resta a minha vida. E eu não sei se ela vale grande coisa. Eu desisto... Eu não sei mais o que fazer.

__Calma. __Sinto a mão reconfortante de Dan em meu ombro quando descanso minha cabeça em minhas mãos, caindo em prantos. Ele parece indeciso quanto ao que dizer, mas continua. __A culpa não foi deles. E eu aposto que independentemente do que eles tenham feito para irritar tanto esses homens, e independente de onde estejam, eles devem estar muito mais aliviados ao saberem que você está viva.

__Por quanto tempo?!

__Eu não sei. Mas espero que muito. Eles te deram a vida, o mínimo que você pode fazer por eles, em memória a eles, é realizar todos os objetivos, fazer todas as coisas que desejaram para você. Assim estarão vivos em você, em cada sorriso, e em cada lágrima, cada gesto, cada vez que você relembrá-los, estarão vivos.

__Por que você está fazendo isso por mim, Dan? __Indago, encarando seus olhos escuros fixos em mim, ignorando a estrada que corre em alta velocidade por baixo de nós. __Eu não entendo. Não faz sentido.

Ele me observa por alguns segundos em silêncio. Sinto como se todas as minhas células interrompessem suas atividades, a respiração me falha, meus músculos param, até mesmo meu coração. É como se toda a minha energia se concentrasse apenas nos meus olhos, apenas para registrar o máximo do brilho daquele olhar, que parece ler minha alma.

Eu então o vejo sorrir timidamente, e todo o meu corpo se deleita, fazendo meu coração pular contra meu peito, e ruborizo imaginando que ele possa ouvi-lo bater enlouquecido. É o sorriso mais lindo que eu já vi. Tão diferente do que eu já o vira usar quando tenta persuadir os outros, a sua verdade quase me sufoca e seu olhar brincalhão faz meus músculos tremerem, e espero que sua mão, que permanece em meu ombro não perceba.

__Eu me pergunto isso todos os dias, Manuela.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Capítulo 12 - Lua-de-mel


Vejo Dan entregar uma nota de vinte reais ao rapaz que o encara assustado após ter deixado as duas malas no chão, ao lado da cama. Dan deixa sua mala também no chão, e fecha a porta.

Eu me sento na cama e admiro o quarto. Suas paredes e o chão são de uma madeira escura, assim como os móveis rústicos. Há uma mesa de canto com um arranjo de lindas flores silvestres, cujo cheiro inunda o quarto, uma cama de casal com grossos cobertores, uma vez que mesmo com o aquecedor, a temperatura é baixa, e a chuva se torna mais forte novamente, fazendo barulho quando se choca contra o vidro da janela. Há ainda um guarda-roupa, e uma porta que leva ao banheiro. Não há nem mesmo uma televisão, talvez por as pessoas se interessarem mais em atividades, digamos, mais naturais.

Dan puxa as grossas cortinas acinzentadas cobrindo a janela, abafando os sons da tempestade. Eu me levanto, pegando a minha mala do chão. Mas antes que esvazie minhas coisas para guardá-las no guarda-roupa, ouço Dan me alertar:

__Deixe tudo na mala. Vamos passar pouco tempo e pode ser que precisemos sair rápido.

Então volto para a cama, deitando-me enrolada nas grossas colchas, virando-me de costas quando Dan se aproxima. No entanto, ele apenas pega um dos cobertores e se deita no chão.

__Eu não me importo de você dormir aqui. __Digo, encarando o teto de madeira, escondida sob as cobertas.

__Eu estou bem.

__Mas o chão deve estar frio... __Continuo inconscientemente, ruborizando ao imaginar que Dan pode pensar que eu realmente o quero na cama.

__Eu já dormi em lugares muito piores. __Diz ao se levantar, dirigindo-se ao banheiro sem camisa, apesar do frio. Eu me escondo novamente entre as cobertas. Não entendo porque meu coração começa a bater descompassadamente. Talvez seja o frio, e por isso meu corpo trema. É o que convenço a mim mesma, me negando a acreditar que todas essas minhas reações autônomas se devam à visão do corpo de Dan, coberto apenas por sua calça jeans escura.

Saindo do banheiro, Dan desliga a luz, voltando a se deitar. E eu não consigo dormir.

__Qual é o plano? __Pergunto após lutar comigo mesma tentando não ser inconveniente.

__Não há plano. Agora é diferente. Eles sabem que você está viva. E não devem estar muito felizes comigo. Antes eu só ia tirar você do país da forma mais discreta possível. Mas agora eu não sei até onde o poder do mandante se estende. E a importância que você tem para eles.

__E agora? __Pergunto novamente, logo me recriminando por parecer cada vez mais com uma garotinha assustada.

__Eu faço meu trabalho e você não faz perguntas. Esse é o trato.

__Não. __Digo num ato de coragem sentando na beira da cama para encará-lo. Eu mal consigo enxergá-lo na escuridão, apenas diviso sua sombra. Ligo o abajur, e o vejo deitado com seus braços nus cruzados atrás de sua cabeça, coberto por um lençol dos pés à cintura.

Dan não parece incomodado com a luz, e estremeço sob a vista de seu olhar entediado que me encara aparentemente contra sua vontade.

__Você não está trabalhando. Eu não tenho como pagá-lo. Na verdade, você está indo contra o seu trabalho, fazendo isso. Então eu preciso saber o que você está planejando. Eu quero ajudar.

__Acredito que você já ajudou mais do que o suficiente. __Completa com um ar de repreensão, olhando para meu pé enfaixado, que me faz ruborizar, apesar de meu corpo ainda tremer de frio.

E então desligo o abajur, voltando a meu lugar inicial, do qual me arrependo de ter saído.

 

Sou acordada por uma camareira que abre as cortinas e as janelas, fazendo o quarto se iluminar com a forte luz dos raios solares. O quarto logo se aquece e retiro as cobertas, levantando-me e aspirando o ar fresco do campo. Eu sorrio agradecendo quando ela me estende uma bandeja com um apetitoso café da manhã, leite com café, pão com queijo branco, suco de laranja e uma maçã.

Quando pergunto por Dan, ela dá um sorriso malicioso, deixando-me envergonhada ao dizer que também acordava tarde todos os dias durante sua lua-de-mel, mal sabendo onde estava, mas não entende porque Dan saíra tão cedo para a cidade, ao invés de me fazer companhia e aproveitar para visitar o haras.

Eu me levanto, sentando-me na bancada da janela, comendo minha maçã enquanto ela arruma a cama. Os pinheiros se estendem até onde consigo enxergar, descendo a serra. Posso ouvir o canto das aves sobrevoando a área, e sentir o cheiro da variedade de plantas que se estendem pelo campo, e não posso mais permanecer nesse quarto. Quando minha consciência tenta me reprimir com proibições diversas, ordeno que se cale, dizendo Carpe Diem.

Tomo um rápido banho frio, e vestindo uma camiseta e um short, saio do quarto, mais disposta. Na varanda do hotel fazenda, sendo banhada pela luz do sol, encontro César. Ele sorri perguntando por Dan, ou melhor, Sr. Danilo. Respondo dizendo que ele ainda não voltara, e aceito seu convite de conhecer o haras.

Deleito-me visitando os celeiros, e o passeio é tão reconfortante que nem mesmo meu pé ferido me incomoda. A paisagem é arrasadora, há animais percorrendo os pastos, e crianças brincando por entre as árvores, com seus pais correndo para acompanhá-los. São cenas que parecem um filme distante, fazem parte de outra dimensão, e me pego admirando-os embasbacada.

É divertido estar com outra pessoa que não saiba de nada pelo que estou passando, é como se eu fosse uma garota de dezessete anos novamente, com toda a vida pela frente, sem o espectro da morte me rodeando, sorrindo dos gracejos de César, cumprimentando as outras pessoas, acariciando os animais. É caloroso sorrir sinceramente, sem medir as palavras, sem medo nem receio de mostrar alegria num dos lugares mais lindos em que eu já estivera. 

César continua a me entreter mostrando as diferentes atrações do haras, os pomares, as estufas, os celeiros e finalmente a estrebaria. Distraio-me acariciando os cavalos com seus pêlos macios, não resistindo à tentação e montando um deles.

Dou uma volta no pasto, sob o olhar atento de César, que parece preocupado com o meu ferimento, que já não me incomoda tanto. O cavalo obedece aos meus comandos e posso quase sentir meu pai atrás de mim, ajudando minhas pequenas e fracas mãos a segurarem as rédeas, há tantos anos atrás. Posso até mesmo ver minha mãe ao longe, nos encarando com seus olhos alarmados e dando gritos de alegria, quando sem a ajuda das mãos do meu pai consigo fazer o cavalo dar alguns passos.

Eu sorrio me sentindo a mais feliz de todas as filhas, com meu pai orgulhoso beijando meus cabelos e sorrindo ao meu ouvido. Quando começo a chorar abertamente, vejo César correr em minha direção com seus cabelos loiros e cacheados se agitando com o vento, e seu rosto vermelho pelo esforço da corrida.

__O que houve, dona Letícia? É o seu pé? Algum problema com o cavalo? __Pergunta segurando as rédeas que eu entrego a ele.

__Não. __Digo, aceitando sua ajuda para descer e tentando despreocupá-lo. Ele não entenderia. __Ele é ótimo. Muito obediente.

__Você quer conversar? __Pergunta com uma voz diferente, numa proximidade desconfortável do meu rosto. __É o seu marido?

__Não... Ele...

__Também é ótimo. Muito obediente. __Ele me interrompe sorrindo, e eu não me impeço de sorrir de volta, tentando dar um tom leve à conversa.

__Não. Ele não é muito obediente. __Confesso evitando seu olhar que de alegre passara a uma intensidade desconfortável.

__Mas você o ama? __Posso sentir sua respiração contra a minha pele e me afasto incomodada e assustada por sua súbita aproximação.

__Eu preciso ir. Obrigada por tudo. __Digo correndo, ignorando a dor no meu ferimento, embaraçada e perturbada pelo interesse de alguém que eu mal conheço. Mas antes que eu me recupere da minha confusão, encontro Dan.  Seu olhar é um misto de dor e decepção ao me avaliar, e me pergunto o quanto ele vira e o quanto imaginara, mas se seu olhar agressivo direcionado a César que se encaminha para a estrebaria levando o cavalo pelas rédeas é um indicativo, imagino que fora bastante. Tento esconder meu rosto, porém vejo que ele percebe meus olhos chorosos.

__Onde você estava? __Pergunta num tom irritado que me faz ruborizar, me fazendo me recriminar por ter aproveitado uma manhã que eu não merecia.

__Eu estava dando uma volta. Esse lugar é lindo...

__E aproveitou para tirar o atraso. __Declara me olhando irritado.

__O quê? Você? __Indago perplexa, com minha irritação substituindo meu embaraço. Fora ele mesmo que dissera que eu devia tentar ser feliz. __Você acha que...? Não! Não que isso lhe importe. Faça seu trabalho e não me faça perguntas.

__Essa frase é minha.

__Acho que posso roubar algo de você, uma vez que você roubou a minha vida. __Enfrento irritada seu rosto.

Ele permanece em silêncio por um tempo com o olhar distante, como se escolhesse as palavras, enquanto eu já começo a me arrepender de minhas. Ele parece realmente chateado e continua:

__Ótimo. Você está certa. E eu estou devolvendo ela para você. Eu estou indo embora. Você pode ficar aqui se quiser. Reconstruir a sua vida. Já fiz tudo o que poderia fazer por você. E aqui não faltam pessoas que possam ajudá-la. __Finaliza encarando César, que está parado atrás de nós, parecendo pronto para me defender, e então passa pela porta, fechando-a atrás de si, me deixando estupefata na varanda.

César se aproxima com um ar preocupado. Ele toca meu rosto quando começo a chorar, e se aproxima do meu rosto trêmulo, mas antes que possa me beijar, o que parece ser sua intenção, eu me afasto, correndo para o quarto.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Capítulo 11 - Uma nova vida (parte 2)


            Pouco tempo depois já estamos na estrada novamente. Mal consigo divisar as imagens que passam numa velocidade absurda pela janela do carro. A lua está cheia no seu ponto mais alto, iluminando com dificuldade a estrada, que permanece na escuridão.

            O farol do carro consegue iluminar apenas alguns metros à frente, nos permitindo ver as luzes de sinalização. A estrada surpreendentemente está em boas condições, e vejo alarmada no painel do carro o velocímetro passar dos 180 km/h.

Protejo-me dentro do casaco de Dan que já veste outro. Enquanto terminava de colocar minhas poucas roupas e meus objetos pessoais na pequena mala que Dan havia me entregue, ele entrou no quarto recomendando que eu usasse minha calça jeans e uma camiseta que me aquecesse.

É estranho que nessa cidade, apesar de não saber se já saímos de suas fronteiras, seja tão quente de dia, e tão frio à noite. Até mesmo com os vidros do carro fechados, para evitar o vento gelado cortante, e com o aquecedor ligado, tenho calafrios.

Ou talvez seja o medo. Dan dirige olhando cuidadosamente a estrada e permanece em silêncio. Ele parece quase apreensivo. E é essa apreensão, para a qual não vejo motivos, uma vez que acredito ter tido um dia maravilhoso e calmo, quase normal, que me aflige.

As gotas de chuva começam a atingir as janelas, inicialmente como lágrimas, mas logo o barulho de suas colisões é quase ensurdecedor. O movimento rápido do limpador do pára-brisa que sem sucesso tenta melhorar a visão da estrada me assusta. Procuro o olhar de Dan que continua fixo na estrada, acelerando ainda mais.

Nós agora parecemos estar subindo, e percebo estarmos rodeando uma serra. Olho pela janela, mas é difícil enxergar alguma coisa com as pancadas de chuva. No entanto, aflita, vejo um abismo circundando a estrada, com o rio turbulento pela violência da tempestade.

Uma angústia me invade o peito, como uma sensação ruim de premonição. Eu não sei o que esperar, mas se for pior do que o que já passei, talvez a morte seja melhor. Tento tirar essas idéias mórbidas da minha mente e numa tentativa desesperada de conseguir, falo para Dan:

__Você faz idéia de quem pode ter sido?__Pergunto numa voz baixa, pouco audível frente às pancadas de chuva contra o carro.

__Talvez. __Começa ainda olhando para a estrada, fazendo uma curva, nos deixando ainda mais próximos do abismo. Volto a olhar para a estrada, confortada por sua voz parecer quase calma, contrastando com o carro que corre em toda velocidade. No entanto, Dan me surpreende quando continua. __Aqueles homens não pareciam estar procurando você. Eles deviam estar a trabalho, sob ordens de algum chefe que deve ter sido o mandante. Eles não eram executores, apenas subordinados querendo ganhar algum dinheiro.

__Eles não foram pagos para me matar?

__Não. Mas não poderiam perder essa excelente demonstração de lealdade. Se tivessem matado você... __Prossegue falando lentamente, apesar da rapidez com que voltamos à estrada normal, para meu alívio. __Passariam a fazer parte do primeiro comando. Da alta cúpula.

__Por que eu e minha família somos tão importantes?

__Eu não sei. Mas o chefe deles queria muito a morte da sua família imediatamente, tanto que pagou o preço que eu exigi. E não apenas a mim. Aquele homem na sua festa, também havia sido pago. Porém, era um amador.

__Por que pagar mais de uma pessoa?

__Ele pediu com urgência. Ele não queria que sua família ficasse viva por muito tempo.

__Você se encontrou com ele?! __Pergunto curiosa sentindo um frio se espalhar no meu abdome.

__Não. Eu não sei quem são eles. Eu tenho alguns contatos que se comunicaram com contatos deles. Eu recebi o dinheiro e pronto.  

__É. E você matou meus pais. __Sussurro olhando novamente pela janela, vendo os galhos das árvores se debaterem violentamente com a força do vento, e eu me surpreendo por não começar a chorar.

Quando ele desvia o olhar da estrada e encara meus olhos, contra minha vontade, as lágrimas que pareciam esgotadas transbordam.

__É. __Ele responde. E eu não me importo que o silêncio retorne com todo seu poder. Não sei se conseguiria falar novamente sem cair em prantos.

 

O dia ainda não amanheceu quando Dan estaciona seu carro na área externa de um bonito hotel fazenda, em estilo colonial, o qual pareceria uma boa opção de lazer, se não fossem as circunstâncias. Ele se situa na periferia da cidade, não muito pequena, mas parecendo extremamente aconchegante, apesar de mal termos conseguido vê-la, com a escuridão.

Há decorações de Natal por todo lado, e até mesmo um presépio na varanda. Faltam apenas quatro dias para o Natal. Distraio-me relembrando o quanto meus pais sempre cultivaram o espírito natalino. Era uma tradição montar a árvore, cada ano com novos enfeites, nos quais colocávamos o que desejávamos para o ano seguinte. Meus pais sempre me deram ótimos presentes, no entanto, ainda posso ouvir minha mãe dizendo que o mais importante eram as palavras que escrevíamos nos pingentes, amor, paz, sabedoria, saúde, felicidade, entre outras.

Embora uma tristeza invada meu peito, ela não é de todo ruim, é apenas a lamentação da perda, do tempo que não volta mais. Mas é uma boa sensação só ter lembranças boas dos meus pais.

A chuva está mais calma. Apenas um chuvisco se mistura com o vento forte. Eu me aperto dentro do casaco, e aceito a ajuda de Dan quando me abraça, ajudando-me a correr até a varanda, para nos protegermos da garoa.

Quando Dan abre a porta, ouço o barulho de um sino que desperta um jovem rapaz quase adormecido na recepção. O hotel parece uma antiga e espaçosa fazenda, ainda com seus traços rústicos, seus móveis de madeira e objetos envelhecidos.

O rapaz sorri envergonhado por termos flagrado seu momento de descanso. Ele olha para o relógio pendurado acima de sua cabeça, e faço o mesmo, faltam poucos minutos para as 6 horas da manhã.

Ele se apresenta como César, e chama outro rapaz ainda mais jovem, para o qual Dan entrega a chave do carro, antes de iniciar suas perguntas:

__Bom dia. Vocês fizeram reserva?

__Sim. __Inicia Dan. __Danilo e Letícia Miranda. Eu liguei ontem.

Contenho minha expressão de surpresa. Danilo! Será esse o nome dele verdadeiro? Eu já sabia não ser Daniel. Mesmo assim, ele não entregaria seu nome tão fácil. Vejo-o entregar nossos documentos de identidade falsos. Não faço idéia como ele conseguiu, mas é a mesma foto horrível da minha carteira de identidade original.

O jovem rapaz avalia a minha data de nascimento. Eu faço o mesmo, e segundo ela já tenho 18 anos.

__Vocês são recém-casados?! Tão jovens... __Observa enquanto vejo seus olhos muito verdes se direcionar a minha barriga ainda escondida pelo grosso casaco. É quase cômico ele achar que eu possa estar grávida. Então, decido tirar o casaco, para tirá-lo da dúvida.

Ele sorri aliviado, corando. E Dan me abraça carinhosamente, dando o seu melhor sorriso desconcertante.

__É. Tivemos sorte de nos conhecermos cedo, e não quisemos deixar a oportunidade passar. __Sorri, enquanto recebe novamente as chaves do carro, pegando uma das malas que o outro rapaz faz esforço para carregar. O carregador tenta recusar sua ajuda, no entanto aceita agradecido. Colocando a mala em seu ombro, sem dificuldades, Dan pergunta:

__Já está tudo certo?! Podemos ir para o quarto?!

__Sim. Aqui está a chave. Quantos dias vocês pretendem ficar?

__Uns dois.

__Só?! Fiquem para o Natal. A cidade fica linda, e nós temos tantos festejos na praça pública. E é muito romântico nessa época do ano. Talvez até neve, como no ano passado.

Dessa vez, não contenho meu grito de excitação. Neve! Meu pai planejava nos levar a uma viagem na Europa quando eu completasse 18 anos, viajaríamos por todos os países, e até iríamos a uma estação de esqui, uma vez que sempre que planejávamos, seus negócios o impediam de viajar para muito longe do Brasil.

__Vamos ver. __Continua Dan. __Temos tantos lugares para ver em tão pouco tempo. __Ele então me abraça novamente, ajudando-me a andar. O recepcionista dá a volta para nos cumprimentarmos, e seu olhar se fixa no meu pé, ainda enfaixado dentro da minha sandália. Dan também percebe e, dando mais um de seus sorrisos desconcertantes, responde:

__Acidentes de lua-de-mel. Nós já vivemos grandes aventuras desde que nos unimos.

__É verdade. __Concordo. E não estou exagerando.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Capítulo 11 - Uma nova vida




            Já passavam das três horas, não havendo qualquer restaurante aberto, acabamos comprando um almoço, que faria minha mãe se orgulhar se me visse comendo.

            Estamos na orla de um bonito rio que corre calmamente seu percurso, sem pressa, sabendo que suas águas acabarão fazendo tudo novamente, então aproveita para admirar a paisagem. Brinco com o meu copo de suco, pois Dan me proibira de tomar refrigerante, devendo comer algo saudável, apesar de ele estar entretido na sua lata de Coca-cola.  Mordisco outro sanduíche natural, que encontramos numa lanchonete, que me faz lembrar novamente da minha mãe.

            O silêncio, que se instalou por quase todo o tempo desde que saímos da casa, até chegarmos aqui, é confortável, não mais me incomoda. Eu preferiria estar conversando, no entanto, Dan mantém seu olhar distante na paisagem, apoiando seus antebraços na grade que protege os visitantes, separando-nos do rio que corre abaixo de nós.

            Aproveito para admirar a paisagem também. O clima permanece quente, apesar da tarde estar se findando, no entanto, os ventos que sopram meu cabelo, o qual tento em vão manter em seu lugar, dão um frescor revigorante. É estranho que após tudo pelo que eu passara no dia anterior, eu esteja vivendo esse dia calmo e sereno. Surpreendo-me admirando Dan, ele parece não perceber o meu olhar e continua absorto no horizonte. Se não fosse por ele, eu não estaria aqui hoje. E não faço idéia de como agradecê-lo. Talvez o silêncio que ele sempre pedira seja uma boa recompensa. E então me concentro na paisagem novamente.

            Há alguns pássaros fazendo piruetas pelo céu e voando para a floresta que se estende do outro lado do rio, com suas árvores frondosas. Eu me conformo de que eles estão indo encontrar suas famílias. Eu posso não ter mais meus pais vivos, porém sei que eles estão e continuarão comigo onde quer que eu esteja.

            Esse pensamento me faz sorrir. Não um sorriso de alegria, mas de conformação. A vida nem sempre é como nós desejamos, só nos resta seguir o roteiro que ela nos impuser, da melhor forma que pudermos, tentando aproveitar o máximo que ela tiver para nos oferecer, pois é a única vez que estaremos no palco.

               O sol começa a se por e seu conjunto maravilhoso de cores, dourado, cor-de-rosa, azul, vermelho, laranja, quase me cega. E eu estou feliz. Reprimo minha consciência que insiste em dizer que eu não posso ser feliz, tendo todos os motivos do mundo para odiar a minha vida, e querer morrer. Eu posso ser feliz e estou sendo. A felicidade deve ser isso, então. Momentos. Momentos de felicidade plena. E esse é um desses.

            Então fecho minha mente e abro meus olhos, para ser banhada pelos últimos raios de sol, que faz sua última e mais bela dança multicolorida em despedida. Todavia, eu sei que ele estará me esperando novamente na manhã seguinte.

 

            Passando pela porta, que Dan abre para mim, vejo a casa em sua escuridão. Ela começa a parecer realmente uma casa para mim, sede da minha nova vida. Faz quase duas semanas que tudo aconteceu e tudo me parece tão distante.

            Já passam das vinte horas. Ainda posso sentir o vento frio da noite, mesmo estando protegida pelo casaco de Dan, oferecido a mim enquanto jantávamos numa das lanchonetes com vista para o rio, ao me ver tremer. Eu me impedira de fazer perguntas por todo o dia, numa tentativa de não incomodá-lo após tudo o que fizera por mim.

            E só o fato de ele ter me libertado do meu encarceramento, sendo tão amável, ao seu modo, me levando para passear, já bastava para mim. Tentei não chamar a atenção para mim, não que fosse difícil.  No entanto, me surpreendi que todos os olhares não se dirigissem a Dan.

            Era quase insuportável olhar para seu rosto. E impossível não fazê-lo. Um lindo rosto. Perfeito, com seus olhos escuros indecifráveis, seu nariz simétrico, seus lábios rosados, e seu rosto angular. Mas ainda pior era ver esse rosto tão angelical numa expressão tão séria. Desde que eu o vira pela primeira vez presenciara seu sorriso poucas vezes, no entanto, sempre aquele sorriso extremamente encantador, mas que agora percebia não ser natural, e sim muito perigoso.

            Dan continua seu percurso, sem nem ao menos ligar a luz da sala, até seu quarto, mas antes que entre, fala sem se virar para mim:

            __É melhor você arrumar suas coisas.

            Senti meu coração se apertar. Ele está me expulsando. Não faço idéia para onde ir. Tento me controlar para não implorar novamente para que não me abandone, contudo não consigo entender. Acreditava termos tido um dia maravilhoso, eu até mesmo me proibira de fazer perguntas.

            __O que houve?! Eu fiz algo errado?! __Pergunto tentando controlar o tom agudo e desesperado que minha voz transparece.

            Dan se vira para mim, olhando-me como se estivesse em dúvida quanto a minha sanidade mental. A luz que entra pelas frestas da porta e das janelas ilumina seu rosto, e eu posso ver quase um pouco de humor:

            __Nós estamos deixando a cidade. Quem quer que tenha mandado matar sua família está ligado aos homens que pegaram você ontem. E já deve estar sabendo que você está viva. E que eu não fiz o meu trabalho como deveria.

            __Ah! Eles agora virão atrás de você também!__Exclamo sentindo minha voz falhar. __Droga! Eu sou uma idiota.

            __Eles nem sabem como eu sou. Não são muitas as pessoas que sobrevivem após terem visto meu rosto. __Diz com um ar misterioso, fazendo um arrepio percorrer meu corpo. __Mesmo assim nós já ficamos muito tempo nessa cidade. Seja rápida, temos que chegar lá antes de o sol nascer.

            __Para onde vamos?! __Pergunto ansiosa encaminhando-me ao meu quarto, já conseguindo andar um pouco melhor.

            __Só faça o que eu mandei.

             E então eu faço.